HISTÓRICO DA ODONTOLOGIA NO BRASIL




A odontologia praticada no século XVI, a partir da descoberta do Brasil por Pedro Álvares Cabral em 22 de abril de 1500, restringia-se quase que somente a extrações dentárias. As técnicas eram rudimentares, o instrumental inadequado e não havia nenhuma forma de higiene. Anestesia, nem pensar. O barbeiro ou sangrador devia ser forte, impiedoso, impassível e rápido.

Os médicos (físicos) e cirurgiões, ante tanta crueldade, evitavam esta tarefa, alegando os riscos para o paciente (possibilidade de morte) de hemorragias e inevitáveis infecções. Argumentavam que as mãos do profissional poderiam ficar pesadas e sem condições para intervenções delicadas. Os barbeiros e sangradores eram geralmente ignorantes e tinham um baixo conceito, aprendendo esta atividade com alguém mais experiente.

Em 1600, havia no Rio de Janeiro trezentos colonos e suas famílias. Por certo deveriam existir "mestres" de vários ofícios, inclusive mestres cirurgiões e barbeiros, que "curassem de cirurgia, sangrassem, tirassem dentes, etc."

"Para exercer esta atividade os profissionais dependiam de uma licença especial dada pelo cirurgião-mor, mestre Gil". Sendo os infratores autuados, presos e multados em três marcos de ouro (segundo a norma da Carta Régia de 25 de outubro de 1448, de El-rei D. Afonso, de Portugal, dando "carta de ofício de cirurgião-mor destes reinos"). A carta de ofício não se referia aos barbeiros e sangradores, havendo a possibilidade desses profissionais terem obtido licença do cirurgião-mor de Portugal.

Somente em 9 de novembro de 1629 houve, por meio da Carta Régia, os exames aos cirurgiões e barbeiros. A reforma do regimento, em 12 de dezembro de 1631, determinava a multa de dois mil réis às pessoas que "tirassem dentes" sem licença. Parece que sangrador e tira-dentes, ofícios acumulados pelos barbeiros, eram coisas que se confundiam, podendo o sangrador também tirar dentes, pois nos exames de habilitação tinham de provar que durante dois anos "sangraram" e fizeram as demais atividades de barbeiro.

Para avaliar o significado e conceito de "barbeiro" temos: Barbeiro: s.m. - o que faz barba; (antigo) "sangrador", cirurgião pouco instruído que sangrava, deitava ventosas, sarjas, punha cáustico e fazia operações cirúrgicas pouco importantes.
 Obs.: Nessas cirurgias pouco importantes incluíam extrações dentárias (FARIA, 1859).


Em 1728, na França, Piérre Fauchard (1678-1761) com seu livro: Le Chirugien Dentiste au Traité des Dents, revoluciona a odontologia, inovando conhecimentos, criando técnicas e aparelhos, sendo justamente cognominado "o pai da Odontologia Moderna".

Nessa época, começava a exploração do ouro no Estado de Minas Gerais, com grande afluxo de interessados e José S. C. Galhardo é nomeado, pela Casa Real Portuguesa, cirurgião-mor deste Estado, regulamentando os práticos da arte dentária, pela Lei de 17 de junho de 1782. Para uma melhor fiscalização nas colônias portuguesas, em lugar de físico e cirurgião-mor, foi criada a Real Junta de Proto-Medicato. Constituída de sete deputados, médicos ou cirurgiões, para um período de três anos, caberia a esses o exame e a expedição de cartas e licenciamento das "pessoas que tirassem dentes".

Nas últimas décadas deste século, Joaquim José da Silva Xavier (1746-1792) praticou a Odontologia que aprendera com seu padrinho, Sebastião Ferreira Leitão. Seu confessor, Frei Raymundo de Pennaforte, disse sobre ele: "Tirava, com efeito, dentes com a mais sutil ligeireza e ornava a boca de novos dentes, feitos por ele mesmo, que pareciam naturais".

Nesse período, os dentes eram extraídos com as chaves de Garangeot, alavancas rudimentares, e o pelicano. Não se fazia tratamento de canais e as obturações eram de chumbo, sobre tecido cariado e polpas afetadas, com consequências desastrosas. A prótese era bem simples, esculpindo dentes em osso ou marfim, que eram amarrados com fios aos dentes remanescentes. Dentaduras eram esculpidas em marfim ou osso utilizando-se dentes humanos e de animais, retidas na boca por intermédio de molas, sistemas usados na Europa. Porém, no Brasil, era tudo mais rudimentar.

Os barbeiros e sangradores aprendiam o ofício com um mais experiente e tinham que provar uma prática de dois anos sob a vista do mesmo. Após pagar a taxa de oito oitavos de ouro, eram submetidos a exame perante o cirurgião substituto de Minas Gerais e dois profissionais escolhidos por este. Aprovados, teriam suas cartas expedidas e licenças concedidas. No final do século XVIII, mais precisamente em 23 de maio de 1800, cria-se o "plano de exames", um aperfeiçoamento das formalidades e dos exames. É encontrado pela primeira vez em documentos do Reino o vocábulo "dentista".

Convém lembrar que o termo dentista foi criado pelo cirurgião francês Guy Chauliac (1300-1368), aparecendo pela primeira vez em seu livro "Chirurgia Magna" publicado em 1363. Em 7 de março de 1808, fugindo das forças francesas, o príncipe regente D. João VI, sua corte e a nata da sociedade portuguesa (cerca de 15 mil pessoas) chegavam a Salvador, tornando-se o Brasil, por esta contingência, sede do Reino. Houve um grande surto de progresso.

No hospital de São José, na Bahia, criava-se a Escola de Cirurgia, graças à interferência do Doutor José Correa Picanço, físico e cirurgião-mor, em nome da Real Junta do Proto-Medicato. Nada beneficiou os dentistas na ocasião. Picanço, a seguir, não só licenciaram os profissionais da corte, como sete negros, de baixa classe social, alguns até escravos de poderosos senhores. Havia nesta época dois ditados populares: "ou casa, ou dente" - "ou dente, ou queixo, ou língua, ou beiço". Indicavam que dado o pouco conhecimento e inabilidade dos "tira-dentes" ocorria frequentemente traumatismos nestas regiões.

Para moralizar esta atividade ante as inúmeras queixas contra os profissionais, o cirurgião-mor determinava em suas "cartas", que o barbeiro poderia exercer a sua arte com restrições, "não sangrando sem ordem de médico ou cirurgião aprovado e não tirando dentes sem ser examinado". Antes do final de 1808, D. João VI transfere-se de Salvador para o Rio de Janeiro.

Em 7 de outubro de 1809 é abolida a Real Junta do Proto-Medicato, ficando todas as responsabilidades ao encargo do físico-mor e do cirurgião-mor, com a colaboração de seus delegados e subdelegados. O físico-mor do Reino era Manoel Vieira da Silva, encarregado do controle do exercício de Medicina e Farmácia e o cirurgião-mor dos exércitos, José Correa Picanço, que tinha poderes análogos em relação à cirurgia, controlando o exercício das funções realizadas pelos sangradores, dentistas, parteiras e algebristas.

Alguns cirurgiões também tiravam "carta de sangria" e indiscutivelmente, o povo era beneficiado. Nesta época, o mestre Domingos, "barbeiro" popular no bairro da Saúde, Rio de Janeiro, se tornou famoso. O negro mestiço exercia sua atividade também na casa de clientes. Sob o braço levava uma esteira de taboa, que servia de cadeira e uma enferrujada chave de Garangeot. Dado a manobras intempestivas, algumas vezes, extraía também o dente vizinho, mas cobrava apenas um. Às crianças, sugeriu que o dente extraído fosse jogado no telhado, dizendo antes e por três vezes: "Mourão, toma teu dente podre e dá cá o meu são".

Havia um crioulo muito habilidoso que esculpia dentaduras em osso e as vendia na porta das igrejas, após as missas domingueiras. Era só escolher, não só a mais bonita, como também a que se adaptava o melhor possível na boca.

Em 1820, o Doutor Picanço concedeu ao francês Doutor Eugênio Frederico Guertin, a "carta" para exercer sua profissão no Rio de Janeiro. Era diplomado pela Faculdade de Odontologia de Paris e aqui atingiu elevado conceito, atendendo a maior parte da nobreza, inclusive D. Pedro II e familiares. Publicou em 1819, “Avisos Tendentes à Conservação dos Dentes e sua Substituição”, ao que tudo indica a primeira obra de odontologia feita no Brasil.

Outros dentistas franceses vieram a seguir: Celestino Le Nourrichel, Arson, Emilio Vautier, Henrique Lemale, Eugênio Delcambre, Júlio de Fontages, Hippólito E. Hallais (intitulava-se o dentista das famílias), trazendo o que havia de melhor na Odontologia mundial.

Citando, como exemplo, alguns itens dos Honorários de Guertin:
- Dentes artificiais de cavalo marinho ou marfim 4000 réis
- Natural 12000 réis
- Incorruptível (porcelana) 24000 réis

As dentaduras eram constituídas de duas fileiras de dentes, esculpidas em marfim ou adaptadas em base metálica, sendo as arcadas ligadas por molas elásticas. Em 1 de junho de 1924, Gregório Raphael Silva, do Rio de Janeiro, recebeu a primeira "carta de dentista", após a Independência do Brasil.

No dia 30 de agosto de 1828, D. Pedro I (1798-1834) suprime o cargo de cirurgião-mor, cujas funções passaram a ser exercidas pelas Câmaras Municipais e Justiças Ordinárias. Mais ou menos nesta época, graças ao francês Jean-Baptiste Debret (1768-1848), que viveu no Brasil de 1816 a 1831, reproduzindo em gravura a vida brasileira durante o Primeiro Império, há uma única obra iconográfica, do século passado, relacionada com a atividade de profissionais que exercitavam a odontologia. Denomina-se "Boutiques de Barbieri" e retrata dizeres: "barbeiro, cabelereiro, sangrador, dentista e deitão bichas".

Fonte: PORTAL EDUCAÇÃO

Artigo por Colunista Portal - Educação - terça-feira, 30 de outubro de 2012



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